1. O dia em que adotei os meus humanos
- Lara Alves
- 15 de mai.
- 3 min de leitura
Atualizado: 16 de mai.
A Chuva e o Destino
(Ou: Como Tudo Começou Com Um Frango Mal Escondido)

Chovia. Não aquela chuvinha romântica que os humanos adoram, com música de piano ao fundo. Não. Era uma chuvada digna de um dilúvio bíblico, daquelas que fazem os cães mijarem-se de medo e os donos de cafés fecharem as esplanadas a correr.
Eu, é claro, estava seca. Porque sou uma gata de recursos. Abrigara-me debaixo do carro de um senhor que cheirava a tabaco e a derrota, mas quando ele se foi embora (a resmungar qualquer coisa sobre "o Porto outra vez"), fiquei à mercê dos elementos.
Foi então que os vi.
Dois humanos, encharcados, a carregar sacos do supermercado. Ela, uma loura desengonçada que tropeçava nos próprios pés. Ele, um tipo alto, com ar de quem achava que usar um casaco impermeável o tornava inteligente.
E então… cheirou-me a frango.
O Plano Mestre
(Ou: Como Fingir-se de Coitadinha em 3 Passos Simples)
1. Passo um: Fazer olhos grandes e tristes.
(Os humanos são totalmente vulneráveis a isto. É como um botão de "dê-me comida" embutido no cérebro deles.)
2. Passo dois: Miar baixinho, como se a vida fosse injusta e eu uma pobre órfã da chuva.
(O que, tecnicamente, era verdade. Mas não precisavam de saber que eu já tinha expulsado três gatos da minha esquina na semana passada.)
3. Passo três: Aproximar-me devagar, como se estivesse hesitante.
(Nunca, jamais, corram para um humano logo de cara. Isso assusta-os. E humanos assustados são imprevisíveis. Podem desde gritar até tentar acariciar-vos de forma desajeitada.)
— Ohhh, Álvaro, olha esta gatinha! — disse a mulher, a derreter-se como manteiga ao sol.
O homem olhou para mim com suspeita.
(Bom. Pelo menos um deles tinha instintos de sobrevivência.)
— Cuidado, Lara, pode ter doenças.
A Arte da Manipulação
(Ou: Como Ignorar um Humano Até Ele Se Render)
Ignorar é uma ferramenta poderosa. Se um humano acha que não queremos a atenção deles, ficam obcecados em conquistar-nos.
Virei costas. Cheirei o ar com desdém. E então… dei-lhes a oportunidade da vida deles.
Dei um pequeno passo em direção à mulher. Depois recuei, como se estivesse assustada.
— Ela veio ter comigo! — a Lara quase chorou de alegria. (Dramática, esta.)
O Álvaro suspirou.
— Não podemos ficar com um gato, Lara.
Claro que podem, pensei eu, já a planear onde iria dormir nessa noite.
A Grande Conquista
(Ou: Como Entrar numa Casa Sem Pedir Licença)
Segui-os até ao prédio. Subi as escadas atrás deles, fazendo questão de parecer minúscula e inofensiva. Quando abriram a porta, aproveitei um descuido e entrei como se a casa já fosse minha.
— Álvaro, ela veio atrás de nós! — a Lara parecia estar entre encantada e em pânico.
O homem tentou fazer-me sair. Ridículo. Deitei-me no tapete da entrada e comecei a lavar a pata, como se dissesse: "Já viste a audácia deste gajo a tentar dar-me ordens?"
No fim, a Lara deu-lhe um ultimato:
— Ou ficamos com ela, ou dormes no sofá.
E assim, meus caros, conquistei um lar.
Avaliação do Território
(Ou: Tudo Aqui é Meu, Só Ainda Não Sabem)
A casa era… aceitável.
- Sofá: Mole o suficiente para as minhas sestas. (8/10)
- Cortinas: Ótimas para afiar as unhas. (10/10, até as destruir)
- Cama deles: Obviamente a melhor parte da casa. (Já decidi que será o meu território exclusivo.)

O Álvaro ainda tentou colocar-me numa "caminha de gato" que compraram. Oh, meu ingénuo humano. Achas que eu, uma rainha, vou dormir num tapete minúsculo?
Na primeira noite, deitei-me em cima dele enquanto ele dormia. Quando acordou, grunhiu, mas não me tirou.
Vitória.
O Primeiro Desafio (Ou: A Guerra da Comida Enlatada)
No dia seguinte, apresentaram-me "ração de gato premium".
Cheirei. Nojento.
— Ela não quer comer… — a Lara parecia preocupada.
— É manhosa — resmungou o Álvaro.
Claro que era manhosa. Eu queria frango. E eles iam aprender isso da maneira mais difícil.
Recusei comida durante um dia inteiro. A Lara entrou em pânico. O Álvaro resistiu… até que, na hora do jantar deles, saltei para a mesa e roubei um pedaço de frango do prato dele.
— ÁLVARO, ELA ESTÁ A COMER! — a Lara exultou.
O homem olhou para mim. Eu olhei para ele, mastigando lentamente, como um vilão num filme.
Ele percebeu. Eu ganhara.
No dia seguinte, havia frango na minha tigela.
Checkmate, humanos.




E uma gata muito esperta .A rainha da casa.