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8. O Segredo do Sótão (Ou: O Que Os Humanos Escondem Além das Teias de Aranha) 

  • Foto do escritor: Lara Alves
    Lara Alves
  • 6 de jun.
  • 3 min de leitura

O Álvaro chamou-lhe "limpeza de primavera". Eu chamei-lhe "invasão flagrante do meu território". Ele subiu àquele sótão poeirento – meu sótão, diga-se – com a audácia de quem acha que caixas de cartão velho têm mais direitos que uma gata que paga renda em ron-rons. Segui-o. Afinal, se há mistérios a serem desvendados, que seja pela pata mais filosófica (e mais bem bigodada) do prédio.

 

O sótão cheirava a naftalina e mágoas passadas. Caixas marcadas com rótulos patéticos:

  • "Coisas da Faculdade" (tradução: cadernos com desenhos obscenos e notas miseráveis)

  • "Roupa da Avó" (um tesouro de cheiro a verbena e culpa católica)

  • "Meias Sem Par" (o grande mistério da humanidade, ao lado do triângulo das bermudas)

Revirei uma caixa com o focinho. "Brinquedos do Álvaro", dizia. Dentro, um exército de carrinhos de plástico e... um rato de peluche. Não um rato qualquer. Um rato de peluche cor-de-rosa, com olhos de botão e um sorriso que gritava "sofro de toxicidade positiva".

— Que diabo és tu? — pensei, empurrando-o com desdém.

Rato cor-de-rosa: (silêncio ensurdecedor, como convém a um objeto inanimado).

— Se me olhares de lado, arranco-te os botões!

 


Dona Rosa Salsicha na caixa dos brinquedos
Dona Rosa Salsicha na caixa dos brinquedos

Numa crise de bipolaridade felina (chamo-lhe "inspiração criativa"), decidi que o rato era:

  1. Um espião da Lara para vigiar meus hábitos noturnos.

  2. Reencarnação do primo chato do Álvaro.

  3. Aliado potencial contra o aspirador.

Atirei-o contra a parede. Ele ressaltou. Raios me partam, a coisa tinha resiliência. Num acesso de fúria, arrastei-o pela escada abaixo, a miar vitória. A Lara viu:

— ÁLVARO, OLHA! A SALSICHA TROUXE UM PRESENTE! QUE FOFAAAA!

Fofa? Eu, uma guerreira, reduzida a "fofa" por arrastar um trapo cor-de-rosa? Cuspi o rato aos pés dela, ofendida.

 

No fundo de uma caixa, encontrei fotos do Álvaro bebé. Nu. Sentado num bacio. Com um barrete de tricô que parecia uma ervilha gigante.

— Oh, Álvaro! Eras tão giro! — suspirou a Lara.— Destrói isso, Lara! — gritou ele, corado como um camarão cozido.

Giro? O homem parecia um peru depenado com crise existencial. Guardei uma foto debaixo da minha almofada. Para chantagem futura. Afinal, um gato precavido vale por dois.

 

A Moral que Ninguém Pediu (Mas Eu Dou na Mesma)

  1. Humanos guardam tralhas como se o fim do mundo fosse uma loja de antiguidades.

  2. Ratos de peluche são psicopatas disfarçados de algodão.

  3. Fotos de bebé são a melhor arma negra contra humanos arrogantes.

E sim, fiquei com o rato. Chamei-lhe "Ferdinando". É o meu prisioneiro pessoal. Torturo-o todas as noites enquanto o Álvaro ronca.

 


Dona Rosa Salsicha e o Ferdinando
Dona Rosa Salsicha e o Ferdinando

Mas a minha paz durou pouco. No dia seguinte, a Lara trouxe para a sala aquela maldita caixa de transporte. A mesma que cheira a medo e viagens de carro com música pimba.

— Salsicha, amanhã vamos ao veterinário! — anunciou, com um sorriso de quem não prevê vinganças felinas.

Veterinário? A palavra ecoou na minha alma como uma sentença de morte. Ferdinando olhou para mim a rir-se:

— Vais comigo, traidor. Se eu sofro, sofres também!

 

Próximo: A Visita ao Veterinário (Ou: Porque É Que os Humanos Pagam Para Me Torturar?)

 

Nota da Dona Rosa: Nunca confiem em humanos com caixas de cartão. Ou em ratos cor-de-rosa. Ou em fotos de bebés nus. Enfim, não confiem em ninguém. 😾

 
 
 

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